Filme: Na Estrada (On the Road)
Diretor: Walter Salles Jr. (França, EUA, Reino Unido, 2012).
Sinopse:
Se você usa ou já usou jeans e cabelo comprido, se já pensou ou viajou pelo mundo sem compromisso, se ama a liberdade e desconfia do sistema, então você é filho dessa história real passada na América dos anos 50 chamada Na Estrada. Publicado em 1957, o livro contava a história das viagens pelos EUA de seu autor, Jack Kerouac,e do amigo, Neal Cassady. Pulsando com os ritmos do jazz, do sexo, das drogas e da busca pelo desconhecido, Na Estrada, finalmente levada ao cinema pelo diretor Walter Salles, conta a história de um escritor aspirante de 18 anos de idade chamado Sal Paradise, cuja vida é energizada e, finalmente, redefinida pela chegada de Dean Moriarty,um espírito livre, destemido, que passou boa parte de sua vida dentro e fora da cadeia. Entre eles, uma paixão: uma garota precoce e libertária de 16 anos chamada Marylou. Juntos, Sal e Dean atravessam a América em busca de diversão, inspiração e da última fronteira do país. Ao longo da jornada eles transcendem todas as barreiras sociais e geográficas em busca de experiências de transcendência física e sensorial. Livro que fundamenta a geração beat, uma das primeiras perguntas feitas pelo filme é: “sabe para onde está indo, ou está apenas indo?”.
(Fontes: cinepop e cinemacomrapadura)
Comentários:
O filme chama a atenção por conta de uma geração jovem e libertária, que busca sua independência. Indiscutivelmente importante e influente, a geração beat marca culturalmente toda uma geração, influenciada pelos costumes, música e comportamento dos anos 50 e 60, sendo o embrião do movimento hippie.
O filme mostra os excessos dos personagens, que vão ao limite, estimulados por muito sexo, drogas e jazz. Uma geração que busca a sensação de completude, de gozo imediato com o experimentalismo alucinógeno e sexual.
Henry Miller que entendia bastante de excessos já dizia: “queria ver tudo, sentir tudo, exaurir tudo, explorar tudo”. As cenas que marcam o filme são de jovens inconsequentes em festas dionisíacas banalizando excessos do consumo, indiferentes a apatia.
As compulsões vorazes e o seu contrário, a apatia, enfraquecem a dor e a ameaça do aniquilamento do eu (lógica da castração). Falar de excesso é falar de falta, de angústia.
As pulsões de vida e de morte ficam evidenciadas, já que podemos relacionar as ligações amorosas que estabelecemos com o mundo, com as pessoas e com nós mesmos, o princípio de prazer e pulsões eróticas com a pulsão de vida. A pulsão de morte pela agressividade tanto para si quanto para o outro e a compulsão à repetição.
Podemos dizer que é um filme sobre a transgressão e há na Filosofia e Psicanálise reflexões importantes a respeito do tema identificadas com esta geração:
“A transgressão precisa da lei para se por em ação, ao mesmo tempo é a transgressão que a funda. A transgressão como um salto para além do princípio de prazer. O desejo tem a necessidade de um salto no impossível, necessidade da transgressão. O desejo é desejo de limites e desejo de ir além dos limites; a transgressão ultrapassa e nunca para de recomeçar a ultrapassar. A transgressão não é mais do que imaginação, e o limite não existe fora do entusiasmo que a atravessa e a nega”(Georges Bataille).
A transgressão é uma violência contra a ordem do mundo: a ordem do trabalho e a ordem sexual, que presumem uma conduta sexual bem organizada e submetida a regras precisas.
A transgressão é um jogo. Jogo no sentido da mobilidade, instabilidade, prazer: jogo entre o possível e impossível, a castração e o gozo, o desejo e a transgressão.
A transgressão faz pensar na infração, na desordem, na liberdade. Essa liberdade, contudo, depende paradoxalmente da lei, ao ponto de lei e transgressão algumas vezes poderem se confundir. Para Bataille, transgressão representa o imprevisto, única possibilidade de sair do sério, do trabalho que aliena. Para Lacan transgressão é uma astúcia, que remete ao gozo.
Contardo Calligaris comentou em sua coluna: “O filme de Salles está sendo a ocasião imperdível de um balanço – ainda não decidi se festivo ou melancólico. Cuidado, o balanço não interessa só minha geração. Cada um de nós pode se perguntar, um dia, como resolveu a eterna e impossível contradição entre segurança e aventura: quanta aventura ele sacrificou à sua segurança”? E conclui: “a segurança é sempre ilusória diante da morte e qualquer aventura não passa de uma ficção, um sonho suspenso entre a expectativa e a lembrança”.
Assista ao filme e se inspire!
Vanessa M. da Ponte
Psicóloga do Lien Clínica e Assessoria
[Fonte: Folha de S. Paulo e Àgora, “Os percursos da transgressão (Bataille e Lacan)”, de Silvia Lippi]