quarta-feira, 23 de maio de 2012

Cinema e Psicanálise

Filme: Um Conto Chinês

O destino de Roberto e Jun está cruzado por uma vaca que caiu do céu


Direção:  Sebastián Borensztein
Nome Original: Un cuento chino
Duração: 100 minutos
Ano: 2011
País: Argentina
Classificação: 14 anos

Sinopse:

Ricardo Darín (Abutres, O Filho  da Noiva, O Segredo dos Seus Olhos), é Roberto, um veterano da Guerra das Malvinas que vive recluso em sua casavinte anos e coleciona manias. Mas esta história é também de Jun, um chinês que apareceu na vida de Roberto depois de ser roubado e arremessado de um taxi em Buenos Aires. Roberto não fala chinês e Jun não fala espanhol. Roberto procura o isolamento e Jun, um tio, seu único parente vivo. Apesar das diferenças e dificuldades, Roberto e Jun descobrirão o real motivo deste encontro inusitado: uma vaca que caiu do céu.

Comentários:

O Filme “Conto Chinês” trata de 2 temas importantes: o luto e o sentido da vida.
O personagem principal, Roberto, vive na monotonia dos atendimentos aos raros clientes de uma loja de ferragens. Parecem existir apenas 3 coisas importantes para ele que o fazem abandonar sua rotina: conferir se a quantidade de pregos e parafusos é a indicada pelo fornecedor, ler jornais antigos e colecionar peças de vidro para sua falecida mãe. No meio disto vê na rua um estrangeiro (chinês) sendo jogado de um táxi, vítima de roubo. A partir daí a vida deste chinês que havia perdido a noiva de uma forma inusitada e a do personagem passam a se cruzar de uma forma peculiar.
Roberto vive o que chamamos de um luto não elaborado pelo falecimento da sua mãe no momento do seu parto, e do seu pai, morto quando vê uma foto do filho na Guerra das Malvinas na qual o crê morto.
Os pregos a serem conferidos marcam uma falta que é sempre do outro (do fornecedor, por exemplo), eximindo-o de entrar em contato com a sua própria falta (desejo). Os jornais colecionam situações reais e insólitas, aparentemente sem sentido como a acontecida ao chinês na qual sua namorada é morta por uma vaca que cai do céu..., o que confirma para ele que a vida não tem sentido. As pequenas e frágeis peças que coleciona em nome de sua mãe simbolizam a fragilidade e finitude da vida com a qual ele não pode se enfrentar.  O interessante é que a vida vai ganhando cor, e significação, justamente a partir da presença do estrangeiro com quem nada consegue falar ou entender.
O sentido da vida que ele busca se dá através do significante “vaca” que enlaça as 3 histórias: a do chinês e sua namorada morta pela vaca, a da mulher que ele não “vê” mas que tenta seduzi-lo e cuja profissão é justamente tirar o leite das vacas e a própria, e no seu gosto pela carne de vaca.
Vale a pena assistir!

Liliana Emparan
Psicanalista e Psicopedagoga do LIEN Clínica e Assessoria

terça-feira, 15 de maio de 2012

Cinema e Psicanálise

O Estranho em Mim
(Das Fremde in Mir, 2008), da cineasta alemã Emily Atef.



Sinopse:
O filme conta a história de um jovem casal apaixonado, que espera seu primeiro filho. O mundo deles parece perfeito quando a mãe dá à luz um menino saudável.
Ao contrário do amor incondicional que esperava sentir, ela fica desesperada e impotente. Incapaz de admitir seus sentimentos, a mãe tem um ataque nervoso e é encaminhada para uma clínica. (Fonte: Bol notícias).


Comentários:
Filme sobre a depressão pós-parto, onde o espectador acompanha os sentimentos conflitantes da protagonista diante da maternidade. Cenas marcantes envolvendo esquecimentos, pensamentos hostis e destrutivos, e onde a mãe aos poucos também se afasta do pai do seu bebê. Após um ataque de nervos ela é internada e aí nos deparamos com a reação da família e todo o preconceito com a condição de rejeição materna, inadmissível para muitos. A segunda parte do filme trata do lento processo de cura, mas é profundo o esforço desta mãe em se vincular afetivamente ao seu bebê. Interessante acompanhar a descrença da família e a ausência emocional do marido que tem aí sua segunda chance. É como lidar com a abstinência de um dependente químico, e através do processo de cura ver as reações adversas de seus co-dependentes. A protagonista não encontra muito apoio e tem que lidar com a desconfiança de todos e lutar pelo seu direito de ser mãe novamente. Filme sem melodramas, mas com esperança, já que mostra o embate de uma mulher com sua condição materna. 



Considerações sobre a depressão pós-parto:
A maternidade é sempre associada à felicidade plena, mas isto nem sempre acontece. Pesquisadores indicam que cerca de 20% das mulheres sofrem perturbações como depressão e ansiedade durante a gravidez e no pós-parto. Sabemos da importância das primeiras relações mãe-bebê e de suas profundas inquietações, bem como das forças atuantes na constituição do psiquismo infantil. Para a Psicanálise, a depressão pós-parto pode ser descrita como consequência do retorno a si mesma, fruto da regressão da mãe (conteúdos e conflitos inconscientes relativos a experiências e fantasias infantis), de como a menina se torna mulher e qual o impacto da maternidade para o psiquismo feminino. Importante destacar a psicopatologia do bebê decorrente do desencontro da dupla mãe-bebê e seus efeitos. A neurociência confirma a importância da interação mãe-bebê, das relações iniciais para o pleno desenvolvimento emocional e físico do bebê. Na gestação acontecem mudanças significativas na vida de uma mulher. Uma delas é deixar o papel de filha para assumir a maternidade, o que implica em uma revivência da infância, na qual o desejo de ser mãe manifesta-se, como, por exemplo, nas brincadeiras de bonecas. Pode-se considerar que na relação mãe-filho repete-se de algum modo a relação infantil com a própria mãe. Com o parto quebra-se a imagem idealizada do bebê, ao mesmo tempo em que este torna-se  um ser independente da mãe. Neste momento a mãe ressignificará a experiência da maternidade. Não podemos desconsiderar as mudanças hormonais, a dor física com o parto, as implicações na adaptação e envolvimento da mulher com os cuidados com a criança e todo o investimento emocional. A importância do apoio da família e da função paterna, através de um pai e marido que ofereça suporte emocional tanto à mãe quanto ao filho. E de como a Psicologia e a Psicanálise podem contribuir para a Pediatria, diante destas considerações.


Vanessa M. da Ponte
Psicóloga do Lien Clínica e Assessoria

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Cinema e Psicanálise


Sinopse e detalhes
Gil (Owen Wilson) sempre idolatrou os grandes escritores americanos e sonhou ser como eles. A vida lhe levou a trabalhar como roteirista em Hollywood, o que fez com que fosse muito bem remunerado, mas que também lhe rendeu uma boa dose de frustração. Agora ele está prestes a ir a Paris ao lado de sua noiva, Inez (Rachel McAdams), e dos pais dela, John (Kurt Fuller) e Helen (Mimi Kennedy). John irá à cidade para fechar um grande negócio e não se preocupa nem um pouco em esconder sua desaprovação pelo futuro genro. Estar em Paris faz com que Gil volte a se questionar sobre os rumos de sua vida, desencadeando o velho sonho de se tornar um escritor reconhecido.

Comentários:
Recomendo o filme “Meia Noite em Paris” do genial Woody Allen por vários motivos. O filme se passa em Paris, o que encanta pelas belíssimas tomadas da cidade que nos fazem sentir como se estivéssemos andando pelas suas ruas e cafés. Esta atmosfera envolvente fisga o espectador e o conduz a vivenciar de forma surpreendente o presente e o passado, a realidade e a ficção. 
É a meia-noite, quando um dia termina e o outro começa, e não por acaso, ao contrário da Cinderela, quando se inicia a fantasia. 
O personagem principal, Gil, vive nesta viagem à cidade que adora, situações que ficam no limiar do (im) possível. Seu desejo é viajar no tempo até os anos 20, época vivida pelos seus antecessores. Assim, o clima do filme parece de um sonho com situações estranhas e de uma certa familiaridade que nos levam a pensar. 
Temas tão caros à Psicanálise como a fantasia, o desejo e a idealização são tratados neste filme com leveza e seriedade. 
Até que ponto a idealização nos afasta da realidade e nos aproxima de nossos sonhos? Qual o preço por não abrir mão das nossas fantasias infantis que nos acompanham pela vida afora? De que material é feito o desejo?
Perguntas que nos acompanham sempre e são de difícil resposta.
Liliana Emparan
Psicanalista e Psicopedagoga do LIEN Clínica e Assessoria


 

terça-feira, 1 de maio de 2012

Reflexões Psicanalíticas


TERAPIA FACEBOOK


No artigo, TERAPIA FACEBOOK, Sérgio Telles analisa o impacto que tem tido as redes sociais na divulgação e esclarecimento das doenças. Todavia, ele nos adverte que doença e morte sempre foram e serão temas difíceis para a humanidade, ao revelar nossa finitude, impotência e desamparo. Como compreender este paradoxo?

O interessante é que, por um lado, nossa sociedade aposta, através da propaganda, no mascaramento da nossa finitude, oferecendo milhares de produtos que nos dão a ilusão de que nunca teremos problemas ou que determinado produto os resolverá, tais como: cosméticos que escondem nossas rugas, aparelhos de ginástica que nos devolvam a firmeza da juventude, alimentos super rápidos que aumentam nosso tempo, remédios que retardam a velhice e por aí vai... Por outro lado, nunca o ser humano tornou tão públicas as suas fragilidades, relatando em detalhes os percalços de um amor desfeito, de uma briga familiar ou de uma doença grave, como o câncer, por exemplo. Doença, como nos alerta Telles, que há pouco tempo atrás não era nem pronunciada, numa supersticiosa e obsessiva ideia de que assim, a pessoa ficaria imune.

O que aconteceu, então? O que significa essa exposição dos detalhes de uma doença como o câncer? As pessoas estariam mais humildes? Saberemos agora lidar melhor com os nossos limites?
Acredito que não necessariamente. O que o Facebook pode oferecer, e rapidamente, é uma palavra de solidariedade, um comentário esclarecedor, um conselho de algo que funcionou, o que pode ajudar a sentir-se menos só, um pouco mais confortados.

Porém, lidar com uma doença grave é muito difícil. Quando estamos doentes, apesar das palavras dos seres queridos, familiares, amigos e companheiros, sabemos que a doença é nossa, nós é que teremos de enfrentá-la, conviver com a rotina de hospitais e tratamentos, falar com médicos, ler sobre ela na internet ou em livros, participar de grupos de ajuda, ver a nossa vida impedida, limitada etc. Lidar com isto, mesmo quando se tem alto prognóstico de cura, é olhar, como em um espelho, uma face da morte.

O que ajuda na rede, então?
Telles novamente nos esclarece que a informação em massa permite a retirada do véu do tabu, e isto é sem dúvida importante. Uma parte dos preconceitos se dissolve com a informação... Falar sobre doenças graves seria como a revelação de um outro lado menos glamoroso do Facebook, sem belas fotos, viagens, belas músicas etc. Claro que existem exageros, e a mídia e a nossa curiosidade, às vezes, podem invadir perversamente a tão frágil intimidade do doente. Por isso, o bom senso e o respeito não podem ser esquecidos.

O lado a ser resgatado, é que, de alguma forma, no Facebook se fala “sobre”, e é nisto que aposta a Psicanálise, na possibilidade do sujeito falar de seus medos, limitações e angústias, sabendo que tem uma testemunha, o analista. Assim, falar é o primeiro passo para poder entender e elaborar o que nos faz sofrer.

Em tempo, o Facebook obviamente não é um analista, mas tem certo valor de testemunha. E isso pode ser fundamental para quem está doente. A força do coletivo, tão deixada de lado na nossa sociedade individualista reaparece de alguma forma na rede. Contudo, um alerta, nem todo mundo se sente bem ao ficar exposto, nem deseja falar publicamente sobre sua doença. Nestes casos, a solidariedade também deve significar respeito com o doente quando este não deseja falar e quer ficar só.

Liliana Emparan
Psicanalista e Psicopedagoga do LIEN- Clínica e assessoria

www.estadao.com.br/.../impresso,terapia-facebook,846949,0.htm