segunda-feira, 29 de julho de 2013

Cinema e Psicanálise


'AUGUSTINE'

Diretora: Alice Winocour

França, 2013.

Sinopse:

'Inverno de 1885, Paris. O professor Jean-Martin Charcot (Vincent Lindon), do Hospital Pitié-Salpêtriere, está estudando uma doença misteriosa, a histeria, que atinge apenas as mulheres. Devido a pouca informação sobre a doença e suas características peculiares, os ataques de histeria por vezes são confundidos com possessões demoníacas, o que faz com que Charcot tenha que provar a seriedade de sua pesquisa. Um dia, chega ao hospital a jovem Augustine (Soko), de apenas 19 anos, que teve um ataque durante o trabalho. Logo ela se torna objeto de estudo de Charcot, que passa a dedicar um bom tempo à garota. Augustine acredita que Charcot possa curá-la e, aos poucos, desenvolve uma relação especial com o médico'.

(Fonte: Adorocinema)

Comentários:

Se a histeria era vista como 'simulação', foi com Charcot que foi reconhecida como doença. Ele escrevia obsessivamente sobre as crises histéricas de suas pacientes, era um experimentador e um grande hipnotizador. Seus discípulos tiveram a oportunidade de vislumbrar os aspectos psíquicos da doença, pois Charcot abriu as portas para as questões emocionais e sexuais destas mulheres. O filme destaca o interesse e cuidado do médico com estas pacientes, tentando decifrar os sintomas de conversão (que inconscientemente transformam um conflito psicológico em um sintoma físico, desviando a atenção de um problema emocional para um problema no corpo menos perturbador).
O objetivo de Charcot era classificar a histeria com uma doença com sintomas tão definidos quanto uma doença neurológica. O filme mostra o equívoco e engano por parte de um médico competente e dedicado. As perturbações psíquicas provavelmente geravam muito fascínio pelo o que era até então desconhecido e o filme revela no tratamento médico destas pacientes, uma atmosfera de curiosidade, vaidade e sedução. Augustine, com sua juventude e beleza, 'encena' seus sintomas e é eleita a favorita de seu médico. Ela logo se dá conta do impacto de suas performances diante dos médicos e como em um espetáculo é aplaudida enquanto se contorce exaustivamente de forma mais sedutora que doente. Estamos diante do 'gozo' da paciente e do 'suposto saber' do médico nos meandros da
'transferência amorosa'. Espreitamos então os olhares masculinos diante dos mistérios femininos e como não se lembrar de Freud e sua famosa pergunta: 'Afinal, o que quer uma mulher'?
Se a resposta tem relação com o ser desejada, a bela (e frágil?) Augustine faz seu médico sucumbir a seus encantos e desejos.
E como já dizia o discípulo de Charcot, Pierre Janet: “todo aquele que se ocupa de histéricas nunca mais é um homem comum”.


Vanessa M. da Ponte
Psicóloga do Lien Clínica e Assessoria

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Pensamentos e Reflexões




A queixa dos adultos frente ao interesse das crianças e adolescentes pelos jogos, Internet, facebook e outras linguagens atuais



Em conversas entre grupo de pais comumente surge a queixa pelo “interesse excessivo” de crianças e adolescentes pelo chamado “mundo virtual”.
Uma pessoa conta, tentando exemplificar, que fez um churrasco para um grupo de casais e filhos em um sítio. De repente os filhos sumiram e eis que estavam todos sentados em uma ampla sala, cada um com seu celular no facebook ou jogando jogos, sem falar nada com ninguém.
Todos estão perplexos diante deste comportamento que julgam individualista e bitolado. Imagine, com tanto espaço, em um sítio e com um belo dia, todos trancados! Como pode??!!
Começa então uma lembrança saudosa das brincadeiras antigas que estes adultos tinham na escola, na rua, na praça etc. Ou seja, uma contraposição brutal de espaços e tempos que separam estas duas gerações de pais e filhos.
Observo também esta característica do fascínio pelas redes sociais e percebo que ela também é extensiva aos adultos: alguns casais em restaurantes não conversam pois cada um olha em seu celular e-mails, mensagens etc., grupos de amigos em um bar interagem pouco entre si, seduzidos pelo mesmo aparelhinho.
Penso então na atração da imagem todo poderosa que já não nos invade, visto que somos nós que a procuramos incessantemente.
Porém, penso sobretudo nas crianças e adolescentes e no seu espaço lúdico, na sua necessidade de brincar e se divertir tão cerceada pelos adultos. Medo de assaltos, insegurança, proteção excessiva, aceleração, desconhecimento dos vizinhos fazem com que o espaço da cidade seja cada vez mais restrito para crianças e adolescentes trancados em prédios, escolas, academias, shoppings ou em casas com grades. Assim, encontraram no mundo virtual de guerras, lutas, papos e curtições no facebook um espaço ainda “permitido”, ou seja, um pouco mais livre, algo semelhante a sensação dos adultos que em tempos não tão remotos brincavam na rua.
E principalmente penso que este especo virtual ainda é um espaço que os adultos não compreendem e não controlam totalmente. E isto é muito importante para a construção da identidade da criança e do adolescente.

Liliana Emparan
Psicanalista e Psicopedagoga do LIEN Clínica e Assessoria

terça-feira, 16 de julho de 2013

Cinema e Psicanálise


AMOR É TUDO O QUE VOCÊ PRECISA
(Den skaldede frisor)
Dinamarca/Suécia/Itália/França/Alemanha (2012)
Diretora: Susanne Bier

Sinopse:

'Duas famílias muito diferentes se encontram em uma casa de campo na Itália para festejar um grande casamento, planejado nos mínimos detalhes. Mas, nada ocorre como esperado... De um lado Patrick (Sebastian Jessen), o noivo, filho do inglês Phillip (Pierce Brosnan), empresário bem-sucedido, sempre envolvido em trabalho, ficou viúvo há alguns anos e não consegue se aproximar do próprio filho. Do outro lado à sonhadora Astrid (Molly Blixt Egelind), a noiva, jovem sonhadora em busca de um amor, vive o conto de fadas de um casamento, sempre apoiada por sua mãe Ida (Trine Dyrholm), uma cabeleireira charmosa e falante que recentemente ganhou uma batalha contra o câncer de mama. Os destinos de Ida e Phillip estão prestes a se entrelaçar, quando eles embarcam para a Itália para assistir ao casamento de seus filhos'.
(Fonte: O Globo)

Comentários:

Um filme que provavelmente cairia na pieguice se não fosse a direção firme e sensível desta premiada diretora dinamarquesa. O intercâmbio de seu país com o sul da Itália tornam o filme uma contemplação charmosa.
Apesar da roupagem romântica e do título em inglês (Love is all you need), o original fica inicialmente nada atrativo: 'A cabelereira careca'. Mas, é dela que o filme conta. E é esta personagem que reina nesta história de casamento, doença e luto.
Após enfrentar um câncer e presenciar a traição do marido, ela viaja para a Itália com o propósito de visitar sua filha na véspera de seu casamento e por lá passa por muitas surpresas.
É um filme extremamente feminino (a personagem personifica os papéis de mãe, esposa traída, mulher doente e apaixonada). Com carisma, sensibilidade e força ela consegue dar suporte afetivo à sua família e com obstinada tolerância dribla os constrangimentos e exposições com muita humanidade e simplicidade, mudando radicalmente sua vida.
É um belo filme sobre sexualidade, desejos, desafetos e amor.

A seguir um trecho do belo artigo da Maria Rita Kehl "Masculino/Feminino: O Olhar da sedução" que ilustra muito bem as impressões deste longa:

'Os apaixonados se propõem charadas sobre a diferença e a identificação, os limites e alcances do amor. E se eu for outro? E se você não for essa que aparenta ser?
E se nós dois trocarmos de lugar? Ou se fossemos dois homens... ou duas mulheres?
E se você for malvado? E se eu te fizer sofrer... até onde? Até que ponto?
Qual o limite... a dor? O incesto? O medo? Acreditar de novo em Deus? Cair na real? Trocaria as figurinhas da minha infância... todas! Com você... depois disso, quem vai se importar conosco? Quem vai nos reconhecer?
E trocam de papel, e trocam de lugar. Se permitem brincar com certa isenção... a proteção que o amor do outro oferece... com as angústias da infância.
Brincam com o perigo, refazem mistérios, encenam a sedução.
Brincam de liberdade, os pares apaixonados... e esta brincadeira, é quase de verdade'.


Vanessa M. da Ponte
Psicóloga do Lien Clínica e Assessoria