Crianças pequenas e fraldas
Quando se pensa na retirada das fraldas de uma criança é muito comum ouvirmos a expressão “treino para tirar as fraldas” ou mesmo “aprendizagem ou controle de esfíncteres”. Nesta discussão me proponho a ampliar este universo para além dos “treinos, aprendizagens ou controles” e pensar como a criança pode sentir este momento do abandono das fraldas.
Na minha visão, a criança precisa participar ativamente deste processo, o que implica a possibilidade de compreensão do que se passa com ela. A criança precisa conhecer seu corpo, reconhecer a vontade de fazer xixi ou cocô, perceber as diferentes sensações que provocam cada eliminação, sentir a diferença entre estar seca e molhada, compreender claramente a relação entre o que sente como uma necessidade mais ou menos urgente e sua eliminação, o tempo em que isto acontece e o lugar aonde pode ser feito, ou seja, fazer uma leitura do mundo, do que significa compreender e aceitar as normas sociais que nos humanizam.
Não somente ela precisa ter aprendido a ficar em pé e andar, como também é necessário que possa minimamente comunicar o que sente e quer. Se isto não acontecer, a criança pode até aprender através de treinos, condicionamentos, prêmios ou castigos que é muito importante não fazer xixi e cocô nas fraldas porque senão os adultos se zangam com ela...
Porém, deixar as fraldas é mais do que isso!
Deixar as fraldas inclui, na relação da criança com sua família, expectativas, tensões, em alguns casos brigas e até “guerras”; este “clima” é percebido pela criança mesmo muito pequena. A criança, porém, precisa principalmente aprender sobre seu corpo e funções como forma de apropriação e autonomia. O corpo lhe pertence, o xixi e especialmente o cocô são sentidos como produções dela. A criança pode considerar estas produções como presentes a serem ofertados ou como algo a ser escondido porque é sujo, por exemplo. Como decorrência disto, pode acontecer que a criança retenha suas fezes, às vezes, por vários dias, nesse caso, temos um complicador, pois ao não eliminar, o controle dos outros sobre seu corpo aumenta. Instaura-se uma disputa entre reter e expulsar e aqui a significação ultrapassa a urina e as fezes, invadindo outras esferas da vida, significando e simbolizando a retenção e a expulsão como algo que envolve controle, expectativa, prazer-desprazer, separação entre o eu e o outro.
Tudo isto pode ser vivido com alegria ou terror.
O mais importante é poder aproveitar este momento como mais um passo no caminho da autonomia, como foi se desmamar, ficar longe da mãe, dormir sozinha e no seu berço, começar a comer sozinha, andar de um lado a outro, compreender e falar algumas palavras, esperar e prever situações, receber e dar carinho etc. Ou seja, deixar as fraldas faz parte do processo de separação entre a mãe e o bebê que vai deixando, portanto, de ser um bebê...
Muitos pais não participam deste processo, delegando isto às mães. Contudo, sua intervenção é fundamental, especialmente quando as mães estão extremamente ansiosas e tem dificuldades em permitir que seu filho cresça ou não conseguem respeitar o ritmo da criança. Isto muitas vezes é inconsciente e ambíguo: a mãe quer que seu filho cresça e aprenda, mas ao mesmo tempo quer exercer controle rígido sobre o corpo da criança, tornando, assim, a retirada das fraldas uma experiência complicada, longa e penosa. Em alguns casos mais difíceis a família pode precisar da ajuda de um profissional que os faça pensar o que está em jogo nesta situação, quando vivida de forma angustiante e, por vezes, traumática.
Liliana Emparan
Psicanalista e Psicopedagoga do LIEN- Clínica e Assessoria
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