Sobre o valor da amizade
Cada novo amigo que ganhamos no decorrer da vida
Aperfeiçoa-nos e enriquece-nos,
Não tanto pelo que nos dá,
Mas pelo que nos revela de nós mesmos.
Miguel de Unamuno
A amizade é um tipo de relacionamento do qual pouco se fala, mas não por isto menos importante. Os verdadeiros amigos podem ser poucos, e alguns resistem ao tempo e à geografia.
As amizades da infância dificilmente são esquecidas, pois foram construídas através do compartilhamento de inúmeras e intensas experiências, muitas vezes, cotidianas, nos jogos e brincadeiras, na escola, família, no bairro, clube, parque, prédio-casa, igreja etc.
Risadas e lágrimas, brigas e confusões, dividir e emprestar, abandonos, castigos e proibições são a marca deste período de intensa convivência. Muitas vezes nos reencontramos com amigos de infância que nos relatam situações esquecidas que de repente se tornam familiares ou estranhas demais!
Quem disse ou fez aquilo que está sendo contado??
Descobertas, confissões, revelações e longas conversas mudam o quadro das amizades na adolescência aonde a lealdade, o companheirismo, a verdade, o andar em grupos e gostar dos mesmos ídolos andam de braços dados com o ciúmes, a rivalidade, a exclusão, a idolatria, o preconceito etc. Diferenças entre amizade, amor, paixão, ficar, amigo de verdade e passageiro vão sendo construídas e dizem muito sobre nós, sobre aquilo que valorizamos, sobre nossas dificuldades, sobre nossa facilidade de agregar ou afastar pessoas. Ou seja, que toda relação precisa ser cuidada, porém de formas diferentes!
Na adolescência sentimentos, ideias, crenças, atitudes e valores vão sendo assumidos com maior ou menor clareza. Posições políticas, sexuais, religiosas, éticas são defendidas, às vezes, com paixão e até violência.
É um período de intensas escolhas.
Tudo isto faz com que, às vezes, nos lembremos com saudades, assombro ou revolta de nossa coragem, confusão, desejo e as situações dramáticas com que enfrentamos os conflitos.
Na idade adulta amigos costumam nos ouvir desabafar, chorar por um amor perdido ou por decepções, falar de doenças, separações e mortes, mas também, ao pedirmos conselhos sobre o que fazer com os filhos, dicas para arrumar emprego, confessarmos conquistas, situações engraçadas, atrapalhadas ou até vergonhosas, compartilharmos de gostos por esportes, arte, compras, tecnologia, crenças etc.
A sensação de finitude, do tempo passado e perdido e dos efeitos das nossas escolhas vão se tornando mais evidentes. Com alguns amigos especiais sentimo-nos mesmo nus ou permitimos revelar-lhes nossas intimidades mais inconfessáveis. Como em um espelho, não podemos já ocultar nossas verdades sob pena de adoecer e pagar um preço bem alto pela mentira.
E isso que amigos nos revelam: nós mesmos, pela forma como os tratamos, cuidamos, abandonamos, afastamos, amamos, pela intimidade que nos permitimos evidenciar, pelas faltas mais ou menos disfarçadas que custamos a dizer, pelo desejo com que continuamos a acreditar que é possível errar e voltar a acreditar na amizade e em nós mesmos.
Liliana Emparan
Psicopedagoga e Psicanalista do LIEN- Clínica e Assessoria
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