SUSPIROS
— Você vai morrer num lugar com água.
— Uma banheira?
— Não. Um lugar maior.
— Uma piscina…
— Vejo uma cidade. Água por todos os lados. Em vez de ruas, tem água…
— Veneza!
— Isso.
— Eu vou morrer em Veneza?
— Vai.
— Como?
— Hmmm. Vejo barcos… Gôndolas… Espere! Uma mulher.
— Quem é ela?
— Você não a conhece. Ela aparecerá em sua vida em Veneza. Gôndolas, sim, gôndolas. Alguma coisa refletida nas águas escuras do Grande Canal. É a lua. Uma lua cheia. O gondoleiro canta uma música antiga. Estranho…
— O quê?
— A mulher. Tem uma máscara vermelha. Veste uma capa preta, e uma máscara vermelha tapa o seu rosto.
— Ela não tira a máscara?
— Calma. Tira.
— E então?
— Ela é linda. Seus olhos são roxos. Ela diz uma palavra… Não consigo decifrar…
— Tente.
— É … Aldabar. Isso. Aldabar.
— Aldabar…
— Ela dirá essa palavra três vezes antes do raiar do dia. A primeira no Grande Canal. A segunda sob a Ponte dos Suspiros…
— Continue.
— Vocês chegam a um portão. O luar banha tudo. Há um cheiro de jasmim no ar. Vocês entram num castelo. Vejo mármore. Cristais. Um vulto…
— Quem é?
— Não deu para ver. Vocês sobem uma escadaria.
— Para o quarto?
— É
— Espere um pouquinho. A palavra…
— Aldabar…
— Aldabar. Ela dirá três vezes?
— É.
— Mas até agora ela só disse duas.
— Exato.
— Continue.
— Vocês entram num quarto. Há uma cama enorme, banhada de luar. A mulher desaparece sem fazer ruído.
— Onde é que ela foi?
— Estou tentando ver… Está escuro.
— Mas e a lua?
— Desapareceu. Deve ser uma nuvem. Ah, ela voltou.
— A lua?
— E a mulher. Ela é branca. Está nua.
— Sim?
— Ela chama você para a cama. Você a possui. Escureceu outra vez.
— Outra nuvem.
— Agora vejo… Um jardim. Sim, um jardim. Vejo jasmineiros. Vocês dois num jardim. Começa amanhecer. Vejo um pavão e um chafariz.
— E a mulher?
— Ela está falando. Diz uma palavra. Aldabar…
— Aldabar. A terceira vez…
— É o sinal. Você vai morrer.
— Como?
— Não sei… É confuso.
— Insista.
— Cuidado com corcundas e licores verdes…
O homem, é claro, jamais chegou perto de Veneza depois disto. Continua vivo. Mas de vez em quando suspira e diz:
— O que eu devo estar perdendo…
http://www.oldreligion.com.br/galeria/bola_de_cristal.jpg
Neste texto que fala de uma vidente contando uma história sobre como um homem irá morrer, vemos o poder da fantasia. Compartilhamos com este homem as nossas perguntas sobre a vida, sobre o futuro, a nossa curiosidade pelo desconhecido ou também as nossas angústias, medos ou inseguranças que podem o ter levado a procurar a vidente. Certamente queria ouvir algo bom, mas deparou-se com a ideia de sua própria morte, que foi recheada de episódios interessantes, românticos, recheadas de desejos, de vida. A vidente não inventa, apenas conduz o homem à história que ele mesmo desejava. E assim, essa história fantasiosa não se perde mais, fica idealizada para os momentos em que a realidade se impõe. O suspiro desse homem que fugiu do lugar em que morreria também lamenta o que não foi vivido. O quanto é importante que existam essas fantasias, que podem nos distanciar da realidade dura da vida, como também, funcionar como um propulsor, como um estímulo para viver e realizar nossos desejos. Um abraço,
Psicóloga do Lien Clínica e Assessoria
Viver a vida é um grande desafio!!!! Adorei Fa - Roberta Marin Passos
ResponderExcluir